No
dia 6 de janeiro de 1907, à Rua Luís Barbosa, 42, lá pelas bandas de Vila
Isabel, nascia Marques Rebelo, um dos fundadores da cidade do Rio de Janeiro. O
feito, é fato, não é reconhecido pelos órgãos oficiais e, por isso mesmo, não consta entre as tão esperadas comemorações dos 450 anos da cidade. Não importa. Sua obra é de outro tipo, muito mais sutil, e torna-se ainda mais especial na
medida em que Rebelo não contou com ajuda senão de um único fiel escudeiro: Manuel
Antônio de Almeida, autor de Memórias de
um sargento de milícias, nada mais nada menos que a pedra fundamental dessa cidade
do Rio de Janeiro. Sim, porque uma coisa é o espaço construído, outra coisa, bastante
diversa, é a imagem e a experiência que lhe dão vida. E é disso que trato aqui.
A cidade fundada por Marques Rebelo é aquela com a qual nos
identificamos a partir das experiências formadas nas práticas e usos da urbe.
A edificação
não se deu numa tacada só, está visto. Ao contrário, foi processo lento e
gradual, e que levou praticamente uma vida inteira. Para tanto, Rebelo precisou
utilizar os mais diversos materiais, que incluíam contos - Oscarina (1931), Três
Caminhos (1933) e Stela me abriu a
porta (1942) -, romances - Marafa (1935),
A Estrela Sobe (1939) e a trilogia
autobiográfica O Espelho Partido (1959,
1962, 1968) - uma novela O simples coronel
Madureira (1967), crônicas,
vinhetas e outros que tais, além do impagável Guia antiturístico do Rio de Janeiro (2007), com ilustrações do
Jaguar.
Para
quem ainda não conhece Rebelo, favor não cair na esparrela de procurá-lo nos manuais
de história da literatura brasileira, nem em suas páginas uma obra-prima. Afinal,
quem ainda precisa delas? Não, Rebelo não é desses e nem é preciso cobrá-lo por
isso. Seu lugar é outro, próprio, singular e um tanto solitário. Acompanham-no
mais ou menos de perto os cronistas esportivos e os sambistas anônimos em sua capacidade
sem-igual para tratar com lirismo os trancos e barrancos do dia-a-dia não
do Carioca, mas de malandros, prostitutas, donas de casa, normalistas, baixos funcionários
públicos, boxeadores amadores, militares de baixa patente, etc.
Um carioca
em especial, cujo esboço é extraído de uma massa anônima, pertencente a um entre-lugar em
meio a cidade da burguesia moderna e vencedora - Copacabana à frente - e a
cidade dos excluídos, isto é, as favelas e os subúrbios mais longínquos, surge em
sua narrativa cambaleante. E do amortecido movimento nas fronteiras desses Rios surgem os dramas pessoais de suas personagens, para as quais esse vaivém é
a própria vida, única possível e captada enquanto vive, onde se encontram num
amálgama sem síntese, fragmentado, aberto e inacabado. O Rio de Rebelo é
intemporal.
Franzino,
cabelo à militar, óculos de armação escura, espírito zombeteiro e língua afiada,
embora nem sempre certeira ou justa, torcedor do América, ele próprio um
"diabo miudinho" - como certa vez o chamara Carlos Drummond de
Andrade -, Rebelo não era descendente dos Sá nem travou batalha contra os franceses.
Aliás, o Rio de Janeiro de Marques Rebelo não se localiza às margens heroicas da
Baía de Guanabara, nem tampouco partiu de lá para ganhar terreno em direção ao
interior. Sua vocação é correr no sentido contrário, do interior em direção ao mar e de lá para o mundo seguindo o curso do rio Trapicheiros - nos arredores
do Largo da Segunda Feira, onde viveu a maior parte de sua juventude - cujas águas, a despeito de terem se tornado praticamente invisíveis por
conta de sucessivas e irreversíveis exigências modernizadoras,
ainda estão lá.
Lindo! De uma generosidade com o leitor sem igual. Vai ser um exercício das segundas (semanal)? Se sim, o público agradece! Abraços
ResponderExcluirAgradeço as palavras, meu caro! Sim, o Taioba parte todas as segundas. Seu itinerário é aberto e segue a poética das ruas em seu cotidiano!
ExcluirLeitura leve com informações, que mais parecem um painel da época.
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